Colaboradores

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Dia da consciência negra e o racismo: o que esse blog tem a ver com isso?

Terça-feira desta semana, dia 20 de novembro, como é sabido, foi  comemorado o dia da consciência negra.  Em alguns dos milhares de municípios brasileiros, dia de feriado.  Em Salvador, infelizmente, não.  Neste ano, porém, o governo municipal dessa cidade de todos os santos decretou ponto facultativo.  Já passou da hora, na minha modesta opinião, do governo repensar esta data e, se possível, incluí-la no rol das datas comemorativas.  Temos muitos feriados? Deveríamos, então, abolir do calendário como dia de ócio alguns feriados religiosos, tais como o Dia da Nossa Senhora da Conceição da Praia, comemorado em 08 de dezembro, na minha cidade.  Afinal, somos ou não somos um país laico??

Esse preâmbulo todo me serviu, apenas, para contextualizar o ponto nevrálgico que queria abordar por aqui.  Me emocionei bastante escutando algumas discussões na rádio sobre o tema, vendo que a população negra da cidade, principalmente os blocos afros, estavam, como de praxe, organizando manifestações, colocando a temática racial na ordem do dia.  Ver em blogs, bem como em outros sites da internet que escolas diversas no país aproveitam o dia para colocar em pauta a questão racial, abordando a auto-estima das crianças negras, e tentando resgatar um pouco da sua identidade muito me alegrou.  Mas, é fato, estamos muito distantes de vivermos em uma sociedade sem preconceito.  

Salvador, especificamente, enquanto cidade mais negra do Brasil, fica longe de ser uma cidade igualitária.  Temos 3/4 de negros nesta cidade, e eles estão em toda parte.  Nas ruas, nos pontos de ônibus, nos shows, nos shoppings, nos espaços públicos coletivos.  Entretanto, no prédio que moro, nos lugares que frequento, nas escolas de meus filhos quase que não existem negros.  E, quando lá está um representante desta raça, o fato é tão raro a ponto de chamar atenção.  E ele, coitado, frequentando os espaços da 'elite', na sua maioria branca, fica isolado, sozinho.  Resultado disso: meus filhos simplesmente não convivem com negros.  É quase como aquela sensação: sei que existem mas não sei aonde estão.  Ou melhor, estão como porteiros do prédio, como empregados domésticos, frentistas no posto de gasolina... triste, não?

Um dos motivos pelo qual escolhi viver no Canadá, talvez o mais importante deles, seja para proporcionar uma vida em uma sociedade justa e igualitária para os pequenos.  Viver em um país no qual o multiculturalismo está presente na cultura nacional, onde se tenha a disciplina cidadania nos currículos escolares, onde o respeito pelo outro é, de fato, uma máxima a ser levada em consideração.  E, com isso, propagar, nos atos diários, de que não importa o fato da pessoa ser branca, preta ou amarela para ser respeitada. Sempre acreditei (e continuo acreditando) que uma educação multicultural é o maior investimento para o futuro do planeta, se quisermos semear sentimentos de tolerância e de paz (e isso não é um discurso de miss universo, viu, gente?)

E, pensando que os preconceituosos são nós, os adultos, e não as crianças, lembrei do comportamento de Théo.  Aos dois anos e meio ingressou na escola.  Como sempre, das 13 crianças de sua sala (que no grupo 3 aumentou para 20), apenas uma era negra.  E era seu melhor amigo.  A amizade dos pequenos era tamanha que ele, simplesmente, me disse que o cabelo de Gabi era diferente do seu, 'umas rodinhas coladas na cabeça', e que ele queria ser assim também.  Depois me disse, ainda, que Gabi era diferente dele.  Tentei entender que diferença era essa. Como assim, pensei. Todas as crianças não são diferentes umas das outras? Porque a diferença notada por ele era apenas com relação ao amiguinho? 

Mas não. A diferença que sobressaiu era apenas o tom da pele.  Ele me explicou, no auge dos seus três anos, que Gabi era 'marrom'.  E você? Perguntei.  No que ele olhou para seu braço, pensou um pouco, e disse: sou amarelo. Foi bonitinho ver o desenrolar desta conversa.  Não estávamos falando de raça, mas parecíamos estar falando de uma caixa de lápis de cor.  Nesta lógica, fui classificada como um amarelo mais claro do que o amarelo que era a cor dele.  E assim seguimos.

Aos seis anos, porém, o preconceito começou a bater na nossa porta.  Estávamos em uma fase difícil em casa. Tínhamos nos mudado para a casa de meus pais e, creio eu, Théo estava um pouco revoltado de ter perdido o condomínio que vivia, bem como os amigos.  Até que, um dia, ele sobe do playground com a queixa da babá de que ele tinha dito a uma menininha, filha de algum funcionário, que não queria brincar com ela.  E, nessa discussão, como que em tom de ofensa, disse que ela era preta.  SURTEI!!!

Aonde ele tinha aprendido isso? Como assim, usar características raciais como palavrão para ofender o outro?? A bronca foi grande.  O susto, maior ainda. Mas, acima de tudo, fiquei preocupada. GENTÉM, a sociedade que fazemos parte influencia essas crianças mais do que eu era capaz de perceber até então.

Minha abordagem foi no sentido de tentar entender o que estava acontecendo.  Pelo que pesquei da situação, ele simplesmente não sabia ao certo o que estava falando.  Mas sabia, e muito, que o peso do tom  da pele de alguém é grande, e tentou usar isso a seu favor.  Depois de algum tempo, então, me disse que não gostava dela e não queria brincar com ela.  Até que lhe respondi: filho, eu não gosto de todo mundo que eu conheço, você também não tem obrigação de gostar dela.  Mas temos obrigação, isso sim, de tratar a todos com respeito.  E, caso você não goste dela, não é pela cor de sua pele.  E, por isso, não tinha direito de discriminá-la, já que nem cor de pele nem de cabelo são importantes para definir quem cada um é.  Que uma criança poderia ser verde, azul, roxa, e o que é importante é como as pessoas são por dentro.

Após alguma conversa, eu disse, ainda, a ele que a cor da pele dele também era escura (que clareia ou escurece a depender do tempo de exposição ao sol, mas que hoje, talvez, seja definido como cor de jambo).  E que, provavelmente, no Canadá ele será um dos mais pretos da escola, já que a maioria das crianças canadenses são brancas cor de leite, iguais à tia dele. E que, se ninguém quisesse brincar com ele por causa da sua cor de pele (sempre elogiada por nós), eu simplesmente iria ficar muito magoada.  E ele também, já que não teriam tido tempo para conhecê-lo de perto e descobrir que criança maravilhosa que ele era.

Surtiu efeito? Acho que sim.  Ele pediu desculpas à mãe da menina, nunca mais tocou no assunto comigo e, além de tudo, chegou na psicóloga dizendo que no Canadá ele será o mais preto da escola.  Só não sei ao certo se Théo entendeu que não é ele que ficará mais preto, mas que tudo se resume a uma questão do contexto.  Primeira lição da lei da relatividade, pois.

Mas isso tudo me serviu de reflexão do quão difícil é criar seres livres de preconceito em uma sociedade preconceituosa.  Os brancos com os negros, os mulatos com os negros mas, o mais triste de tudo isso, dos negros com os negros.  Comemoro o dia da consciência negra e, ainda que esteja saindo do país, torço para que este dia sirva para todos, e cada um de nós, pensemos no mundo que queremos deixar para essas crianças.  Para todas elas!

5 comentários:

  1. Oi Juliana!
    Eu concordo que a sociedade acaba sendo racista, mesmo quando diz que não é.
    Eu não concordo com um feriado para o Dia da Consciência Negra. Acho que isso sim.é racismo. Não há porque (na minha opinião) segregar o negro com uma data exclusiva. O calendário deve ser comemorado 365, por negros e brancos,
    Tambem não concordo com as cotas para negros nas universidades. Isso só cria discriminação.
    Vemos o Ministro Joaquim Barbosa, que negro e filho de pedreiro, não precisou de nenhuma cota ou data especial para chegar onde chegou.
    O Brasil precisa ter é excelentes escolas publicas, para todos, sejam brancos e negros. Se as escolas publicas forem todas de excelente qualidade, as oportunidades serão dadas para todos, independentemente da raça. O modelo atual é que é cruel, porque o "rico" vai sempre para assola particular e daí para as melhores universidades (que ridiculamente, no Brasil são grátis). Ou seja, os "ricos" fazem faculdade de graça e os pobres ficam reféns de pagar caro por uma universidade particular (e muitas vezes ruim) ou ainda, nem conseguem ter o nível superior por falta de recursos.
    Enquanto a educação fundamental não for igual para todos, os negros e/ou pobres ficarão alijados. As faculdades, em minha opinião, é que deveriam ser pagas, e as pessoas não pagariam caso tivessem mérito para conseguirem bolsas de estudo.
    Esses feriados só servem para dar prejuízo aos empresários e comerciantes e não são os feriados que melhoram a vida dos me os favorecidos.
    Minha opinião apenas, ok? Escola boa e grátis é o que falta no Brasil do Mensalão, do Lula, da Dilma e dos ladrões dos cofres públicos!!

    Beijo graaaande!

    ;)

    ResponderExcluir
  2. Ótimo post, Ju. Muito bem escrito, e assunto muito importante.
    Deve ser muito difícil mesmo lidar com esse assunto com os filhos... não temos como controlar o que eles ouvem/vêem por aí... mas aparentemente você está fazendo um ótimo trabalho!
    Fiquei orgulhosa de ler sua opinião.

    Beijos!

    ResponderExcluir
  3. Ju,
    Post maravilhoso!
    Parabens!
    Bjoos pra vc!

    ResponderExcluir
  4. Adorei seu blog Juliana!!
    Estava procurando sobre o IELTS, mas não encontrei =(
    12/02/2011 - Inicio do curso preparatório para o IELTS;
    16/04/2011 - Prova do IELTS;

    Queria saber onde vc fez o preparatório e como foi a prova, se foi tranquila ou não. Preciso fazer a prova, estou nervosa, acho que é preciso ter 5,0 porém se conseguisse 6,5 em todas as bandas seria perfeito.
    Agradeço,
    abraço

    ResponderExcluir
  5. Parabéns Juliana! Excelente posts! É uma pena que estamos perdendo os poucos "pais" consciêntes que temos no Brasil.

    Morei no Canadá por 1 ano, e com os mesmos "sentimentos" de sociedade justa e igualitária, sigo com os planos de retornar. Infelizmente o Canadá é cheio de preconceitos, principalmente com os Asiáticos, que foram escravisados na construção das cidades e rodovias que cortam o país. De qualquer forma, o mínimo de respeito é encontrado e a legislação funciona, o que está muito longe de acontecer por aqui.

    Desejo-lhes tudo de melhor, um 2013 cheio de coias boas e muita consciência coletiva!

    Grande abraço,

    Thalita

    ResponderExcluir